Em maio de 2025, a população de Pau D’Arco (PA) viveu dias de desespero. As fortes chuvas que atingiram o Araguaia devastaram comunidades inteiras, deixando famílias desabrigadas e em situação de vulnerabilidade extrema. A tragédia, que deveria ter mobilizado a prefeitura e demais órgãos públicos em prol da solidariedade e da agilidade, acabou se transformando em um escândalo de corrupção, contratos emergenciais suspeitos e indícios claros de superfaturamento.
Recursos federais liberados em caráter emergencial
No dia 14 de maio de 2025, a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil publicou no Diário Oficial da União a Portaria nº 1.477, autorizando a transferência de R$ 575.477,00 ao município de Pau D’Arco. O recurso tinha prazo de utilização de 180 dias e deveria garantir ações rápidas de socorro às vítimas das enchentes, fornecendo alimentos, kits de higiene, roupas e demais itens emergenciais.
No entanto, em vez de resposta eficiente, o que se viu foi a construção de um contrato acelerado, mal explicado e recheado de indícios de fraude.
Contrato emergencial assinado pela primeira-dama
A Prefeitura de Pau D’Arco, por meio do Fundo Municipal de Assistência Social, gerido pela primeira-dama e secretária Vanessa dos Santos Castor Guedes, assinou em 5 de junho de 2025 o Contrato Administrativo nº 023/2025 com a empresa IFS Comércio e Serviços Ltda. O valor total acordado foi de R$ 516.977,83, destinado à compra de kits emergenciais compostos por itens de higiene, limpeza, cestas básicas, agasalhos e até roupas íntimas femininas, como sutiãs e calcinhas.
A cláusula contratual determinava que os produtos fossem entregues em 24 horas após a emissão da nota de empenho. No papel, tudo parecia ágil e resolutivo. Mas a prática mostrou o oposto.
Pagamentos rápidos, entrega atrasada
A movimentação financeira do contrato chama atenção pela velocidade incomum. No dia 9 de junho de 2025, a prefeitura empenhou, liquidou e reconheceu a despesa, emitindo a Nota Fiscal nº 13, no valor exato de R$ 516.977,83. Já no dia 10 de junho, a empresa contratada recebeu o pagamento integral.
O detalhe é que a população só começou a receber os donativos em 25 de junho, ou seja, 15 dias depois do pagamento à fornecedora e quase um mês após o recebimento do recurso federal. O prefeito Domingos Enfermeiro (Domingos Guedes Neto), pressionado pelas denúncias que já haviam chegado à Polícia Federal, publicou nas redes sociais um vídeo em que aparece ao lado de um caminhão de donativos, afirmando: “Estamos recebendo aqui um caminhão da Defesa Civil”.
Na prática, o que houve foi uma clara tentativa de maquiar os atrasos e justificar a demora na distribuição da ajuda.
Evidências de superfaturamento
Um relatório técnico independente revelou que os preços praticados no contrato estavam 24,04% acima do mercado, representando um prejuízo de R$ 100.194,67 aos cofres públicos.
Itens de uso básico apresentaram sobrepreços escandalosos:
- Esponja de aço: 608,9% acima do preço de mercado.
- Esponja de limpeza: 236,5% acima.
- Papel higiênico: 214,5% acima.
- Sabão em barra: 202,2% acima.
- Flocos de milho: 157,4% acima.
- Sutiã: 130,8% acima.
Esses números revelam que o contrato emergencial, em vez de proteger as vítimas da enchente, serviu para inflar preços e beneficiar fornecedores.
A denúncia expõe não apenas o prefeito e sua equipe, mas o próprio funcionamento da política local. A pressa em liberar pagamentos, a inclusão de itens de utilidade duvidosa em kits emergenciais e a discrepância nos preços mostram que a calamidade foi tratada como uma oportunidade de negócios — um “balcão de negócios” travestido de socorro humanitário.
Esse padrão de conduta, infelizmente, não é novidade no Pará. Escândalos envolvendo verbas de emergência se repetem em diferentes municípios, alimentando um sistema político baseado em populismo, promessas vazias e conluios criminosos.
Consequências políticas e jurídicas
O caso já foi levado à Polícia Federal, que deve investigar não apenas o superfaturamento, mas também o possível desvio de recursos públicos. A primeira-dama, como gestora do Fundo Municipal de Assistência Social e signatária do contrato, também está no centro das suspeitas.
Politicamente, o episódio desgasta a imagem do prefeito Domingos Enfermeiro, que passa a carregar a pecha de ter transformado a dor da população em lucro para fornecedores escolhidos a dedo.
Conclusão
O escândalo de Pau D’Arco evidencia como tragédias naturais, em vez de unir gestores e população em torno da reconstrução, são exploradas para alimentar a engrenagem corrupta que controla o Pará. O recurso que deveria salvar vidas acabou alimentando a ganância de poucos.
Mais do que um caso isolado, o episódio é sintoma de um sistema político marcado por oligarquias, promessas vazias e manipulação da miséria alheia. Cabe agora à sociedade civil, ao Ministério Público e aos órgãos de controle garantir que esse crime contra a população não fique impune.