A rede municipal de urgência e emergência de Belém vive um cenário de colapso iminente, com a iminência da realização da COP-30. Mais de 140 médicos, que atuam em unidades de saúde privatizadas, enfrentam atrasos salariais de até quatro meses, um drama que expõe as falhas crônicas no modelo de gestão terceirizada. Paralelamente, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu um alerta urgente à Prefeitura, exigindo medidas emergenciais para evitar uma crise de saúde durante o evento internacional.
O drama dos médicos: heróis esquecidos e sem salário
O problema de atraso nos pagamentos atinge cerca de metade da rede municipal de urgência e emergência, e o número de afetados pode ser ainda maior, já que muitos profissionais não denunciam por medo de represálias. A situação é de desespero. Em um protesto no dia 8 de outubro em frente à Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), cerca de 40 médicos denunciaram o “calote”, segurando cartazes com a mensagem: “Na pandemia heróis, em 2025… palhaços.”
Relatos de médicos são dramáticos: profissionais afirmam estar vendendo pertences pessoais para sobreviver, enquanto créditos de trabalho de até R$ 60 mil se acumulam sem previsão de pagamento. Essa situação precariza a vida dos profissionais e compromete a qualidade do atendimento à população.
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Terceirização e “quarteirização”: a raiz do problema
O modelo de gestão adotado pela Prefeitura de Belém, que repassa recursos públicos para Organizações Sociais de Saúde (OSSs) gerirem as unidades, é a principal causa da crise. Essas OSSs, por sua vez, subcontratam empresas terceirizadas para o fornecimento de médicos, criando uma complexa e opaca “quarteirização” que dificulta a responsabilização.
Um caso exemplar é o do Instituto Diretrizes, de Barueri (SP), que assumiu a administração de algumas UPAs com repasses de R$ 22 milhões. No entanto, os médicos são contratados por empresas como a Tríade Serviços, que tem um contrato de R$ 13 milhões com o município. O arranjo contratual é precário: médicos são obrigados a aderir a contratos como “parceiros empresariais”, sem qualquer vínculo trabalhista clássico, abrindo mão de direitos.
Fiscalização deficiente e caos nas UPAs
A precarização do modelo de gestão se reflete diretamente na qualidade do atendimento. Fiscalizações do Conselho Federal de Medicina (CFM) constataram a deterioração das condições em unidades como a UPA de Icoaraci, que teve a equipe de médicos reduzida, suspensão de atendimento a casos de trauma e falta de segurança.
O Sindicato dos Médicos do Pará (Sindmepa) denuncia abertamente a falta de transparência nos contratos e a falha crônica na fiscalização da Prefeitura. A situação é generalizada, com denúncias de problemas graves também nas UPAs de Jurunas, Marambaia, Terra Firme, Sacramenta e no Pronto-Socorro Municipal do Guamá. O fechamento do atendimento adulto no Pronto-Socorro Dr. Roberto Macêdo, em 3 de outubro, agravou ainda mais a tensão no sistema.
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MPF emite alerta e proíbe “fila VIP” para a COP-30
A iminência da COP-30, que deve receber cerca de 50 mil visitantes, levou o MPF a intervir. Em 2 de outubro, o órgão emitiu uma recomendação urgente exigindo que a Prefeitura, o Governo do Estado e instâncias federais tomem medidas imediatas. O MPF exige contratação emergencial de profissionais, ampliação de leitos e a implantação de um hospital de campanha, se necessário.
A medida mais contundente do MPF foi a proibição expressa de criar uma “fila especial” para os participantes da COP-30, uma ideia que a Prefeitura vinha defendendo em seus planos. O MPF argumentou que tal prática viola os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), que garante atendimento universal. As autoridades têm dez dias para responder às recomendações, sob pena de serem responsabilizadas por improbidade administrativa ou crime de responsabilidade.
Respostas evasivas e o futuro incerto
Diante da crise, a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) se exime de responsabilidade, afirmando que os pagamentos são de responsabilidade das empresas contratadas. O Instituto Diretrizes, por sua vez, afirma que só responde pelos pagamentos de sua gestão, isentando-se de dívidas anteriores. A Tríade Serviços divulgou uma nota vaga, afirmando que os pagamentos estão “dentro do prazo”, sem detalhar qual seria esse prazo, e a GroupMed, outra empresa citada, não respondeu à imprensa.
O cenário é de imprudência institucional: um sistema de saúde já fragilizado, que negligencia seus profissionais e enfrenta uma crise de transparência, prepara-se para sediar um evento internacional de grande porte. A ausência de um plano de contingência robusto e a falta de compromisso com a população de Belém e com os próprios médicos colocam em xeque a capacidade da cidade de garantir a saúde e a segurança de todos.
O que se desenha para novembro é um cenário de risco de colapso total, com a possibilidade real de discriminação no atendimento e a comprovação da precarização dos vínculos trabalhistas dos médicos, que se tornaram reféns de um modelo de terceirização falho e irresponsável.
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A situação, que escancara o colapso da gestão da saúde municipal, foi denunciada por profissionais e acompanhada de perto pelo Sindicato dos Médicos do Pará (Sindmepa), que acusa o modelo de terceirização adotado pela Prefeitura de agravar o problema e colocar em risco o atendimento à população.
Segundo o sindicato, o sistema criado pela gestão do prefeito Igor Normando (MDB), baseado em terceirização e “quarteirização”, gerou um cenário de confusão contratual, onde empresas recebem milhões, mas os médicos não sabem de quem cobrar seus salários.
“O modelo de terceirização adotado pela Prefeitura contribui diretamente para os atrasos e compromete a continuidade do atendimento”, declarou o Sindmepa em nota oficial.
Belém caminha para sediar um evento internacional histórico, mas com uma rede de saúde pública colapsada, médicos sem receber há meses e um governo municipal sem controle sobre o próprio sistema. A COP-30 pode até projetar a cidade no cenário mundial — mas, por trás das câmeras, o que se vê é uma capital à beira do colapso social e administrativo.