A menos de 100 dias da abertura oficial da COP30, a capital paraense ainda parece longe de estar pronta para sediar o maior evento climático do planeta. Um levantamento revela que, dos 37 projetos considerados essenciais para receber delegações internacionais, apenas oito foram parcialmente entregues. O custo já ultrapassa os R$ 7 bilhões — um salto de 75% nos investimentos desde junho de 2024.
As intervenções se espalham por pelo menos 60 bairros de Belém, Ananindeua, Marituba e Castanhal, atingindo áreas de mobilidade, saneamento, hospedagem e infraestrutura urbana. Mas o cronograma acelerado esbarra em atrasos, improvisações e críticas quanto à falta de controle social sobre os gastos.
Panorama das Obras: Investimento Crescente, Entregas Lentas
O volume de obras aumentou significativamente em 14 meses, saltando de 13 projetos e R$ 4 bilhões em junho de 2024 para 37 projetos e R$ 7 bilhões em agosto de 2025 – um aumento de 185% em obras e 75% em investimentos. Apesar do aporte financeiro substancial, apenas 8 dos 37 projetos foram parcialmente entregues até o momento, indicando um ritmo de conclusão aquém do ideal.
Área | Nº de obras | Concluídas (parcialmente) | Destaques |
Infraestrutura e desenvolvimento | 14 | 3 | Parque da Cidade, Mercado São Brás |
Mobilidade | 10 | 3 | Viadutos BR-316, Av. Bernardo Sayão |
Saneamento | 8 | 1 | Macrodrenagem Tucunduba |
Hospedagem | 5 | 1 | Escolas adaptadas como hostels |
Total | 37 | 8 |
Os recursos para essas obras provêm de diversas fontes, incluindo os governos Federal e do Pará, a Prefeitura de Belém, além de Itaipu Binacional, BNDES, Caixa, iniciativa privada e fundos internacionais.
Obras a toque de caixa e maquiagem urbana
Entre os projetos prioritários está o Parque da Cidade, que servirá como “zona diplomática e pública” durante o evento, com custo de R$ 980 milhões. Sua entrega está prevista para agosto. Outros destaques incluem o Hangar Centro de Convenções, a Vila COP30 — que vai abrigar chefes de Estado — e o Porto de Outeiro, voltado ao receptivo de navios-hotéis. Nenhum deles está concluído.
A única etapa finalizada da Avenida Bernardo Sayão, por exemplo, contrasta com as demais fases ainda em execução, e isso levanta questionamentos sobre a real capacidade de finalização até novembro.
Obra | Responsável | Entrega prevista | Finalidade |
Parque da Cidade | Governo do Pará | Agosto/2025 | Zona Azul (diplomática) e Zona Verde (pública) |
Hangar Centro de Convenções | Governo do Pará | Outubro/2025 | Sede principal de eventos oficiais |
Vila COP 30 | Governo do Pará | Novembro/2025 | Hospedagem para chefes de Estado |
Porto de Outeiro | Governo do Pará | Outubro/2025 | Receptivo de navios-hotéis |
Escolas adaptadas | Governo do Pará | Iniciada | Hospedagem alternativa (hostels) |
Avanço nas obras não garante funcionalidade
Apesar do ritmo frenético, os impactos práticos seguem tímidos. O saneamento é um exemplo: Belém continua com cobertura precária de esgotamento sanitário — apenas 20% da população tem acesso à coleta. A obra de macrodrenagem da bacia do Tucunduba, uma das maiores da cidade, teve apenas parte dos canais finalizados até agora.
No setor de mobilidade, apenas o viaduto da BR-316 com a Ananin foi entregue. Os demais seguem em obras, com prazos apertados entre dezembro e maio de 2025 — alguns extrapolando a realização da conferência.
Macrodrenagem do Tucunduba (2ª maior bacia de Belém)
Canal | Status | Previsão entrega |
Timbó | Concluído | Janeiro/2025 |
Cipriano Santos | Concluído | Maio/2025 |
Vileta | Concluído | Julho/2025 |
Leal Martins | Concluído | Julho/2025 |
Lago Verde | Em obra | Agosto/2025 |
Sapucajuba | Em obra | Novembro/2025 |
Hospedagem improvisada em escolas
A promessa de democratizar o acesso à COP por meio de hospedagens populares esbarra na realidade de improviso. Das 17 escolas públicas anunciadas para virar “hostels”, apenas seis foram entregues. E mesmo estas ainda carecem de estruturas adequadas para receber visitantes internacionais.
Escolas adaptadas para hostel (6 de 17 entregues)
- General Gurjão (jan/2024)
- Ulysses Guimarães (out/2024)
- Aldebaro Klautau (fev/2025)
- Mestra Idalina (abr/2025)
- Augusto Meira (mai/2025)
- Paulo Maranhão (mai/2025)
Transparência sob suspeita
Para a pesquisadora Olga Freitas, da Universidade Federal do Pará (UFPA), a ausência de um portal público e unificado das obras ligadas à COP30 compromete o controle social. “É fundamental saber o porquê de cada obra ser vinculada à COP”, afirma. O governo estadual prometeu um portal de transparência, mas até agora nada foi lançado.
Além disso, as fontes de financiamento — que envolvem dinheiro federal, estadual, municipal, empresas públicas como Itaipu e bancos como BNDES e Caixa, além de fundos internacionais — não estão discriminadas por projeto, o que dificulta ainda mais o rastreamento dos recursos.
Agenda apertada e pressão crescente
Nos próximos meses, o governo promete entregar uma série de obras: o Aeroporto, a Av. Júlio César, o Hotel Vila Galé, a nova base aérea, além da conclusão dos canais Benguí e Marambaia. Em novembro, está prevista a entrega da Vila COP e da fase final da macrodrenagem do Tucunduba. Mas o histórico recente de atrasos e reentregas improvisadas — como no Parque Linear da Doca — gera desconfiança.
COP30 sob risco de virar símbolo da maquiagem urbana
Com o tempo correndo contra e as críticas aumentando, Belém caminha para receber a COP30 em meio a um cenário de improviso e maquiagem urbana. A ausência de dados públicos detalhados, o atraso em obras estruturantes e a precariedade em serviços básicos, como saneamento e mobilidade, colocam em xeque o verdadeiro legado do evento para a população local.
Se nada mudar, o Pará corre o risco de transformar o evento climático mais importante do planeta em uma vitrine global de desorganização, improviso e desperdício de dinheiro público.