Na contramão do discurso climático, o Governo do Pará derrubou, em uma única obra, cerca de 107 campos de futebol de floresta — aproximadamente 76 hectares — para erguer a Avenida Liberdade, uma via expressa de 13,4 km que corta uma Área de Proteção Ambiental (APA) da Região Metropolitana de Belém. Apesar de o Estado afirmar que não se trata de obra oficial da COP30, o projeto coincidiu com o calendário de preparativos para o evento.
O EIA (Estudo de Impacto Ambiental) reconhece os riscos de supressão vegetal, fragmentação ecológica e especulação imobiliária, mas não apresenta medidas reais para contê-los. A obra desconsidera o impacto social: mais de 250 famílias ribeirinhas da comunidade Nossa Senhora dos Navegantes perderam áreas de açaizais, acesso a igarapés e vias de pesca, e hoje vivem em situação de escassez de água potável e alimentos.

Impactos Documentados e Denunciados:
- Desmatamento em áreas protegidas: A destruição de floresta dentro de uma APA contraria diretamente os princípios de conservação ambiental.
- Impacto direto em comunidades ribeirinhas: Moradores de comunidades como a Nossa Senhora dos Navegantes denunciam a destruição de seus meios de subsistência, como açaizais e igarapés, além da falta de consulta e indenização adequadas. Ribeirinhos relatam que a terraplanagem e os ruídos alteraram drasticamente o ambiente, afetando a pesca e o acesso à água potável.
- Violação de legislações ambientais e direitos tradicionais: A Defensoria Pública do Pará entrou com uma Ação Civil Pública pedindo a interrupção das obras em trechos afetados até que o Estado realize a consulta e cadastro das famílias, elabore estudos de impacto e garanta o pagamento de perdas e danos.
- Fomento à especulação imobiliária: Há um risco documentado de aumento da especulação imobiliária na região, o que pode levar a novas invasões e, consequentemente, a mais desmatamento. O próprio Estudo de Impacto Ambiental (EIA) reconhece esse perigo, mas é criticado por não apresentar medidas eficazes para contê-lo.
Violação de direitos e legislação ambiental
Apesar da área ser uma APA criada em 1993 com regras claras para uso sustentável, o Estado avançou a construção sem consulta livre e prévia às comunidades tradicionais — como exige a Convenção 169 da OIT — e sem regularizar a posse coletiva da terra, favorecendo a insegurança fundiária e especulação.
A Defensoria Pública ingressou com ação civil pública exigindo:
- suspender imediatamente a obra na área afetada;
- reconhecer e registrar a posse coletiva da terra;
- indenizar perdas de modos de vida tradicionais;
- elaborar plano de reparação socioambiental
Contraponto oficial: legado urbano ou “lavagem verde”?
O governo defende ser uma obra planejada desde 2020 — antes de Belém ser escolhida como sede — e afirma que o traçado segue um linhão de energia pré-existente, minimizando impacto vegetal. Alegam que, assim, a vegetação suprimida seria mínima, e negam que a estrada faça parte dos 33 projetos oficiais da COP30 financiados por recursos federais.
Porém, especialistas em urbanismo e meio ambiente apontam que o projeto recebeu impulso político com o anúncio da COP30, oferecendo uma justificativa pública para liberar o empreendimento — uma dinâmica de “greenwashing”: discurso de sustentabilidade, mas destruição ambiental real.
Além dos impactos diretos, a avenida pode desencadear desmatamento secundário via o chamado “efeito espinha de peixe”: novos acessos facilitando ocupações ilegais, especulação e invasões em áreas frágeis da floresta.
COP30 em Belém: bandeira climática ou projeto de fachada?
Enquanto internacionalmente a COP30 é vendida como a “COP da Amazônia” — oportunidade de empoderar vozes indígenas, promover bioeconomia e demonstrar liderança ambiental brasileira —, a realidade local contradiz a narrativa: obras que sacrificam floresta e comunidades em nome de uma infraestrutura que pode agravar emissões e reduzir cobertura verde urbana.
A governança fragilizada e decisões unilaterais tiram legitimidade da promessa de sustentabilidade. Comunidades tradicionais reclamam de ausência de diálogo e de medidas concretas de reparação.
Reflexão final
A construção da Avenida Liberdade revela um paradoxo escancarado: o Pará quer levar ao mundo uma imagem de liderança climática, mas destrói florestas e modos de vida tradicionais para construir essa narrativa. Há urgente necessidade de reavaliar o projeto, garantir direitos territoriais, suspender a obra enquanto não houver consenso legítimo, e reconstruir sua perspectiva sob critérios ambientais e sociais reais — não apenas políticos.