A conta chegou — e o Pará entrou na mira do Planalto
O governo federal iniciou uma cobrança massiva para recuperar R$ 478,9 milhões em repasses do Auxílio Emergencial, e o Pará foi um dos estados mais atingidos. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS), 4.968 famílias paraenses foram notificadas para devolver R$ 12.832.999,50 aos cofres da União.
A medida é parte da ação do governo Lula para reaver valores do Auxílio Emergencial, criado em 2020 como suporte durante o auge da crise sanitária. Agora, em plena desaceleração econômica e com alto custo de vida, milhares de famílias de baixa renda estão sendo cobradas judicialmente ou administrativamente — muitas sem clareza sobre os critérios de “pagamento indevido”.
Enquanto o governo justifica a medida como “ajuste fiscal” e combate a irregularidades, o que se vê na prática é um cerco sobre famílias humildes, muitas delas ainda tentando se reerguer após os efeitos da pandemia e da crise econômica.
Governo cobra os pobres e poupa os poderosos
O contraste é gritante: de um lado, famílias que receberam R$ 600 estão sendo pressionadas a devolver o benefício com ameaça de bloqueio de CPF, negativação e inscrição na Dívida Ativa da União; de outro, grandes devedores, bancos e políticos investigados continuam blindados.
O governo alega que os valores foram pagos a quem não tinha direito — mas há falhas graves no cruzamento de dados, e muitos cidadãos sequer foram ouvidos antes de serem tratados como devedores.
Em vez de promover uma revisão social justa, o Planalto prefere transformar beneficiários em “culpados automáticos”, reforçando a percepção de que a mão do Estado pesa apenas sobre os mais fracos.
Pará: quase R$ 13 milhões sob cobrança
Segundo o levantamento nacional, o Pará ocupa lugar de destaque entre os estados da Região Norte com maior volume de cobranças. Veja os números:
Estado | Famílias Notificadas | Valor a Devolver (R$) |
---|---|---|
Pará (PA) | 4.968 | 12.832.999,50 |
Amazonas (AM) | 2.640 | 6.706.815,00 |
Maranhão (MA) | 2.659 | 6.519.607,00 |
Rondônia (RO) | 1.275 | 3.191.082,00 |
Roraima (RR) | 487 | 1.262.057,00 |
Amapá (AP) | 395 | 983.784,00 |
Famílias de todas as regiões do estado, incluindo zonas rurais e ribeirinhas, estão recebendo notificações digitais pelo sistema Vejae, muitas sem sequer entender o que está acontecendo — já que o acesso à internet é limitado em várias localidades.
Burocracia e risco de bloqueio
Os paraenses notificados têm 60 dias para devolver o dinheiro, à vista ou parcelado em até 60 vezes, com parcelas mínimas de R$ 50.
Quem não pagar será inscrito na Dívida Ativa da União, podendo ter CPF bloqueado, restrição de crédito e até dificuldade para acessar programas sociais.
O governo diz que é possível contestar as cobranças, mas o processo exige o uso do sistema PagTesouro / Vejae, considerado complexo e pouco acessível para quem vive em comunidades sem conectividade.
“É mais uma política feita de gabinete, sem considerar a realidade do povo. O governo quer que o ribeirinho e o agricultor familiar entrem num sistema digital cheio de travas e jargões técnicos — isso é desumano”, criticou um servidor do próprio MDS ouvido sob anonimato.
Falhas e contradições
Durante a pandemia, o governo federal fez pagamentos em massa com base em cadastros incompletos e inconsistentes. Agora, anos depois, tenta cobrar de quem não fraudou, mas apenas preencheu o sistema com informações incorretas ou mal interpretadas.
Há casos de pessoas que perderam o emprego, se cadastraram honestamente e foram aprovadas pelo próprio sistema do governo — mas agora são tratadas como criminosas.
Essa postura punitiva expõe a contradição de um governo que se diz social, mas atua como cobrador implacável diante dos mais vulneráveis.
A “justiça fiscal” seletiva
Enquanto as cobranças do auxílio são divulgadas com destaque, pouco se fala das grandes dívidas tributárias de empresas estatais e corporações privadas.
Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, apenas os 500 maiores devedores do país devem juntos mais de R$ 1 trilhão à União — mas esses nomes raramente aparecem nas listas de cobrança ou em campanhas de recuperação fiscal.
“Cobrar R$ 12 milhões de famílias pobres no Pará é simbólico, mas cobrar bilhões de conglomerados empresariais seria inconveniente politicamente”, apontou um economista ouvido pelo Canal PBS.
Conclusão — A conta errada no colo certo
Em um momento de arrocho, inflação e desemprego, o governo Lula escolhe mirar nos que menos têm. A devolução do Auxílio Emergencial pode até ter amparo técnico, mas falta sensibilidade e coerência política.
Enquanto quase 5 mil famílias do Pará enfrentam a ameaça de bloqueio e negativação por causa de R$ 12,8 milhões, os grandes esquemas de corrupção e renúncias fiscais bilionárias seguem intactos.
O discurso de “justiça social” perde sentido quando o Estado vira cobrador de pobres e protetor de poderosos.