A velha prática de acumular cargos públicos de forma irregular volta a aparecer em Tucuruí. Depois da denúncia envolvendo uma servidora com salários elevados em cidades diferentes e jornadas impossíveis de cumprir, agora o nome é outro: Sami Rogério Santana.

Em Tucuruí, a combinação de ilegalidades e omissão administrativa continua corroendo o serviço público e punindo quem luta para mantê-lo de pé. O caso mais recente expõe Sami Rogério Santana, enfermeiro em Tucuruí e também em Imperatriz (MA). São dois vínculos públicos, mesma função, cada um com 30 horas semanais, separados por 483 km de distância.
Nos dois vínculos Sami exerce a mesma função, com carga horária de 30 horas semanais em cada cidade. O problema? A distância entre os dois municípios é de 483 km, o que torna humanamente impossível cumprir os horários legalmente.
E a situação fica ainda mais absurda quando se analisam as escalas. Em junho de 2025, Sami foi escalado para trabalhar na UPA de Tucuruí nos dias 7, 8, 21, 22, 28 e 29, todos no turno da noite. Mesmo assim, continuou figurando como efetivo em Imperatriz, recebendo R$ 3.600 brutos no Maranhão e mais de R$ 4.000 mensais em Tucuruí.

A Constituição Federal é clara: o acúmulo de cargos públicos só é permitido em casos específicos e com compatibilidade de horários. Aqui, não há compatibilidade alguma — há distorção e afronta à lei.
Sami, em junho de 2025, aparece escalado na UPA de Tucuruí nos dias 7, 8, 21, 22, 28 e 29, todos à noite — enquanto segue recebendo como efetivo em Imperatriz, onde ganha R$ 3,6 mil brutos. Em Tucuruí, o contracheque passa dos R$ 4 mil. No papel, jornadas possíveis. Na prática, um roteiro impossível de cumprir, que afronta a lei e o bom senso.

Enquanto isso, a rede de saúde de Tucuruí sofre. Postos de atendimento enfrentam falta de profissionais, filas crescentes e descaso na assistência à população. Servidores que cumprem a carga horária corretamente, como a funcionária que denunciou o caso, vivem sob pressão, têm férias negadas, licenças indeferidas e carregam o sistema nas costas.
O caso de Sami Rogério Santana expõe um problema estrutural: a conivência com práticas ilegais que drenam recursos públicos e fragilizam ainda mais o atendimento básico de saúde. O cidadão, que deveria ser o foco, é o último na lista de prioridades.
E atenção: essa história ainda não terminou. Novos nomes e situações semelhantes podem vir à tona, revelando um esquema que parece estar longe de acabar.
Concurso público ignorado, contratos temporários favorecidos
A irregularidade não para nos plantões sobrepostos. A Prefeitura de Tucuruí mantém um desprezo evidente pelos aprovados no Concurso Público 001/2023. Homologado em 5 de julho de 2024 pelo Decreto nº 039/2024, o certame mobilizou centenas de candidatos e foi vendido como a grande oportunidade para reforçar o quadro efetivo.
No entanto, passados mais de 12 meses, a maioria segue no limbo. Apenas 292 foram nomeados em 24 de janeiro de 2025 — e cerca de 40 não assumiram. Nem mesmo para preencher essas vagas houve nova convocação. Em vez disso, a gestão inchou a folha de pagamento com contratações temporárias, especialmente entre maio e junho de 2025, como mostram os dados do Portal da Transparência.
A contradição é gritante: durante a campanha de 2024, o prefeito Alexandre Siqueira prometeu convocar mais de mil aprovados. Em 2025, a promessa virou poeira. No curto período em que Jairo Holanda assumiu interinamente, chegou a apresentar à Comissão dos Aprovados um decreto de prorrogação do concurso, datado de 5 de maio de 2025, até então oculto. Prometeu um cronograma de nomeações — que nunca foi entregue.
Ilegalidade e conivência
A manutenção de contratos temporários quando há concurso vigente e necessidade permanente é ilegal. A jurisprudência dos tribunais superiores obriga a nomeação de concursados. Ignorar isso não é má gestão — é violar o princípio da legalidade, da isonomia e da moralidade administrativa.
A postura do Ministério Público do Estado do Pará beira a conivência. O órgão, até aqui inerte, precisa ser provocado e agir para acabar com esse uso político da máquina pública. Tucuruí não pode continuar como um cabide de empregos temporários à custa da população.
Um crime contra o mérito e o interesse público
Este não é apenas um caso de má administração. É um atentado contra a meritocracia e a dignidade de quem estudou e venceu um concurso público de forma legítima. Enquanto alguns acumulam cargos de forma incompatível, centenas de concursados seguem invisíveis, sem previsão de assumir o cargo que conquistaram.
A convocação é um direito. A omissão, um crime contra o interesse coletivo.
A pergunta que ecoa nas ruas de Tucuruí é simples e urgente: até quando?