Em uma audiência pública realizada na Câmara Municipal de Parauapebas nesta segunda-feira, 24, o tom foi de desespero e cobrança. Socorro Plácido, representante do Instituto Vencendo o Câncer (IVECAN), subiu à tribuna sem um discurso preparado, mas carregando o peso de histórias reais de sofrimento. Sua fala, improvisada após uma visita a uma paciente oncológica, expôs as falhas gritantes do sistema de saúde municipal: pacientes abandonados sem quimioterapia, consultas suspensas e até bolsas de colostomia em falta nos postos de saúde. “Tratar de um câncer não é fácil. E eu falo isso com experiência própria”, desabafou Plácido, que superou dois cânceres – um de mama e outro no cólon – graças a um plano de saúde privado. Para os que dependem do SUS, a realidade é outra: vulnerabilidade extrema, onde a doença “não adoece só o paciente, mas a família toda”.
O epicentro do problema é a Oncorádio, a única clínica especializada no município para quimioterapias em cânceres de útero, estômago, próstata e mama. Seus serviços – consultas e medicamentos – estão paralisados há meses por falta de repasses da Prefeitura. Pacientes como a senhora que teve o reto e parte da vagina removidos, agora sem acompanhamento médico, ou outra que perdeu a bexiga e implora por suprimentos básicos, viraram estatísticas de um colapso evitável.
Plácido não poupou palavras: “O que eu peço é que quem está no governo tenha um olhar mais humano para essas pessoas”. E rememorou as promessas de campanha do atual prefeito, Aurélio Goiano, eleito com mais de 90 mil votos em 2024. Nas lives noturnas da pré-campanha, ele denunciava o “mau atendimento na área da saúde” e jurava melhorias. Hoje, quase um ano de mandato depois, o que se vê é o oposto: o oncologista e o mastologista não atendem, e mães solteiras abandonam empregos para buscar tratamento via Tratamento Fora de Domicílio (TFD) em outras cidades, agravando o trauma psicológico que, segundo Plácido, “mata mais ainda” que a própria doença.
A denúncia ganha peso diante da situação financeira do município. Em 2025, Parauapebas já arrecadou mais de R$ 2,15 bilhões. Mesmo assim, o governo Aurélio Goiano (AVANTE) não tem conseguido garantir o básico: continuidade do tratamento de pacientes com câncer. O contraste é brutal. Enquanto o município figura entre os maiores arrecadadores de royalties da mineração do Brasil, famílias inteiras enfrentam a dor e o abandono institucional.
O governo Aurélio Goiano, que assumiu em janeiro de 2025 prometendo uma gestão “transformadora”, tem sido alvo de críticas veladas por ineficiência na área da saúde. Apesar de parcerias com o Estado para fortalecer a rede pública e da inclusão do município em seleções do PAC 2025 — como a construção de uma UBS no bairro Nova Carajás —, o foco na oncologia parece periférico.
Campanhas como o “Março Lilás”, voltadas à prevenção do câncer do colo do útero, são louváveis, mas soam como paliativos diante de um sistema que falha no tratamento básico. Onde está o “olhar humano” prometido nas urnas?
A audiência pública de 24 de novembro pode não ter gerado manchetes nacionais, mas ecoou nas redes locais e entre ativistas: foi um grito por socorro. Com royalties minerais capazes de equipar clínicas inteiras, deixar pacientes sem bolsas de colostomia ou sem quimioterapia é mais que negligência — é uma traição ao direito constitucional à saúde.
A fala de Socorro evidencia uma contradição gritante: o mesmo governo que exibe cifras recordes de arrecadação em suas redes sociais deixa faltar medicamentos, médicos e repasses para o único centro oncológico da cidade.
O caso revela falta de prioridade na aplicação dos recursos públicos e desrespeito ao princípio constitucional da saúde como direito fundamental.
Em Parauapebas, quem luta contra o câncer luta também contra o descaso do poder público.



