Cultura ou negócio milionário? MPPA investiga Fafá de Belém por suspeita de irregularidades no uso de R$ 1,5 milhão do projeto Varanda de Nazaré

Com R$ 1,5 milhão em verbas públicas, o Varanda de Nazaré escancara o abismo entre o incentivo cultural e o privilégio de artistas consagrados. Enquanto escolas desabam e hospitais lotam no Pará, projetos badalados recebem cifras milionárias sem prestar contas claras. No fim, quem paga a conta é o povo — e quem brilha são sempre os mesmos.
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O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) instaurou um inquérito civil para investigar possíveis irregularidades na aplicação de recursos públicos federais, no valor de R$ 1.569.936,00, destinados ao evento “Varanda de Nazaré”, realizado durante o Círio e idealizado pela artista Fafá de Belém. A medida levanta sérias questões sobre a transparência e a gestão de incentivos culturais no estado.

O montante questionado foi liberado por meio de um chamamento público envolvendo a Fundação Cultural do Estado do Pará e o Programa Estadual de Incentivo à Cultura (PEIC), conforme apontado nos documentos que baseiam a investigação. O procedimento está a cargo da Promotoria de Tutela das Fundações, Associações de Interesse Social, Falência, Recuperação Judicial e Extrajudicial.

O Que Está Sob Suspeita

A principal motivação do inquérito é apurar como essa verba pública foi, de fato, aplicada no evento, se houve a devida e adequada prestação de contas, e se todos os atos administrativos seguiram os critérios técnicos e legais exigidos para a utilização de recursos estatais.

Embora a produtora do evento tenha afirmado que a edição de 2024 não recebeu repasse financeiro direto do governo estadual via Lei Semear e que o apoio teria se restringido à estrutura (logística), o MPPA está questionando a natureza e a forma do repasse, já que o chamamento público indica o uso de mecanismos de incentivo. A investigação cita o valor exato de R$ 1.569.936,00 repassado para o projeto.

Transparência em Xeque: Por Que o Caso É Relevante

O caso ganha notoriedade não apenas pelo vultoso montante – superior a R$ 1,5 milhão em um estado com grandes desafios sociais em saúde e educação – mas por envolver um evento de alta visibilidade, que funciona como vitrine cultural do Círio de Nazaré.

O uso correto e transparente de verbas públicas é crucial para a credibilidade de todo o sistema de incentivo cultural. A abertura do inquérito, ao instalar a dúvida, ameaça reforçar a percepção de que leis de incentivo podem se tornar “caixas-pretas”, minando a confiança pública nos mecanismos de apoio à arte e à cultura popular.

O Vazio entre Discurso e Controle

A equipe de Fafá de Belém e a produtora Kaiapó Produções emitiram nota, declarando serem “as maiores interessadas em que se investiguem os fatos”. Eles reforçaram que o projeto, com 15 anos de história, é conduzido sob “os mais altos padrões de legalidade, transparência e responsabilidade”.

No entanto, críticos apontam lacunas:

  1. Montante Elevado: R$ 1,5 milhão é um valor significativo para um evento local, o que exige um rigor redobrado.
  2. Clareza Insuficiente: A defesa da produção de que não houve repasse direto e o subsequente erro no Diário Oficial (DOE) geram dúvidas sobre o mecanismo exato de captação (via chamamento público e Lei Semear) e a prestação de contas.
  3. Suspensão da Confiança: A mera instauração do inquérito já impõe uma mancha na reputação do evento e dos parceiros públicos e privados envolvidos, afetando o sistema cultural como um todo.

Próximos Passos: Cobrança por Documentação Completa

Para dirimir as dúvidas, o MPPA tem a tarefa de requisitar e analisar todos os documentos: repasses, contratos, notas fiscais, estrutura de execução e comprovação de público. Paralelamente, espera-se que o Governo do Pará, via Fundação Cultural, disponibilize o chamamento público e os critérios de seleção.

A produção do “Varanda de Nazaré” é conclamada a dar um passo adiante e publicar um relatório acessível de execução financeira específica para o projeto, idealmente com auditoria externa.

Não se está dizendo, ainda, que houve crime — mas o alvo da investigação é suficientemente sério para que apareça na luz pública. Em cultura, visibilidade e “glamour” não substituem prestação de contas.
Se o evento Varanda de Nazaré for legítimo e bem conduzido, ótimo — mas provar isso é essencial. O silêncio ou a falta de clareza serão interpretados como parte da “caixa-preta” dos incentivos culturais. E isso é mau para todo mundo — para o artista, para o Estado, para a sociedade.

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