Enquanto os fiéis se emocionam nas procissões do Círio de Nazaré 2025, o evento religioso mais importante do Pará também revela um outro tipo de brilho — o dos contratos milionários sob suspeita. A Prefeitura de Belém, comandada por Igor Normando (MDB), firmou um novo contrato de R$ 20,19 milhões com a empresa Ceilurb Ltda, sediada em Camaragibe (PE), para a instalação da iluminação cênica e estruturas decorativas dos eventos do Círio e Natal deste ano.
O problema é que o valor é quase o dobro do que foi pago em 2024, quando o mesmo serviço custou R$ 11,47 milhões à gestão do ex-prefeito Edmilson Rodrigues (PSOL), e ainda cobriu praças, avenidas e orlas de todos os distritos da capital.
Contrato fora do padrão e “carona” de Alagoas
A contratação foi feita sem licitação própria, por meio de adesão a uma ata de registro de preços do Consórcio de Municípios do Agreste Alagoano (Conagreste) — um mecanismo conhecido como “carona”. O documento oficial (Processo nº 7220/2025 – SEZEL) mostra que a autorização foi assinada por Cleidson Ferreira Chaves, secretário municipal de Zeladoria e Conservação Urbana (SEZEL).
A justificativa usada pela Prefeitura foi a “proximidade do evento” e a “inviabilidade fática” de realizar uma nova licitação em tempo hábil. No entanto, especialistas apontam que o uso de atas de outros estados — especialmente sem ampla concorrência local — reduz a transparência, aumenta o risco de sobrepreço e pode caracterizar direcionamento de contrato.
Estrutura precária e gestão suspeita
O contraste entre o valor milionário e a qualidade percebida da decoração não passou despercebido pela população. Nas redes sociais, moradores relataram falhas técnicas, ornamentos apagados e acabamento inferior em comparação a anos anteriores. Mesmo assim, o prefeito Igor Normando celebrou o resultado:
“Iluminada a nossa Senhora aqui na nova Doca… do jeito que o nosso povo e a nossa santa merecem”, publicou ao lado da esposa durante a primeira romaria oficial.
Porém, a fé e a devoção que movem milhões de paraenses neste período agora dividem espaço com suspeitas de superfaturamento e favorecimento político.
Conexões e conflitos de interesse
O caso ganha contornos mais delicados ao observar quem está por trás da empresa contratada. A Ceilurb Ltda, segundo dados da Receita Federal, tem como sócia-administradora Ladjane Correia de Vasconcelos Torres Bandeira.
A empresa, sediada em Pernambuco — o mesmo estado onde a primeira-dama Fabíola Normando (ex-deputada estadual) atuava politicamente —, levanta suspeitas de ligação indireta com o núcleo político do prefeito.
Além disso, o contrato não foi firmado pela Seinfra (antiga Seurb), responsável pela iluminação pública de Belém, mas sim pela Secretaria de Zeladoria, chefiada por Cleidson Chaves, conhecido como Cleidinho, ex-chefe de gabinete e homem de confiança do prefeito.
Cleidson foi transferido de cargo em julho deste ano, após denúncias na Câmara Municipal sobre contratos suspeitos de guincho e pátio de veículos ligados a uma empresa com parentesco direto com o próprio secretário.
Duplicidade de contratos e descuido com recursos públicos
Outro ponto polêmico é que Belém já mantém contrato ativo com a concessionária “Luz de Belém”, responsável pela iluminação pública desde 2020, com validade de 13 anos e custo milionário anual. A duplicidade de funções — iluminação pública e iluminação cênica — indica gasto redundante e reforça a suspeita de má gestão de recursos.
Órgãos de controle devem investigar
Diante da escalada de valores e da falta de justificativa técnica plausível para contratar uma empresa de outro estado, o caso deve ser alvo de investigação do Ministério Público e do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-PA).
Especialistas ouvidos pelo Canal PBS avaliam que a prefeitura deveria ter realizado uma licitação pública local, permitindo a participação de empresas paraenses com histórico comprovado — o que garantiria melhor preço e qualidade, além de fortalecer a economia local.
“O uso recorrente de ‘caronas’ fora do estado e a concentração de contratos milionários em mãos de empresas ligadas politicamente ao núcleo do governo é um sintoma de desvio ético e administrativo”, afirmou um auditor ouvido sob reserva.
Fé, política e transparência
Enquanto as luzes do Círio brilham pelas ruas de Belém, as sombras da gestão pública se tornam cada vez mais evidentes. A fé do povo paraense merece mais respeito, seriedade e transparência — e não contratos obscuros sob justificativas de urgência.
