O que começou como uma denúncia anônima de compra de votos acabou desvendando um possível esquema milionário de corrupção envolvendo recursos da COP30, evento climático internacional que será sediado em Belém, em novembro de 2025. A Polícia Federal prendeu em flagrante o policial militar Francisco Galhardo, no dia 4 de outubro de 2024, com R$ 5 milhões em espécie, e agora investiga fraudes em licitações que totalizam quase R$ 300 milhões.

Galhardo foi detido na agência do Banco do Brasil de Castanhal (PA), ao entregar R$ 380 mil a Geremias Hungria, funcionário de uma fazenda do deputado federal Antônio Doido (MDB-PA). O caso, ocorrido dois dias antes das eleições municipais, inicialmente foi enquadrado como crime eleitoral. No entanto, o celular apreendido com o PM revelou indícios de um esquema muito mais amplo.

RASTRO DO DINHEIRO: R$ 48,8 MILHÕES EM SAQUES
Segundo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), entre 2023 e 2024, Galhardo realizou saques que somam R$ 48,8 milhões, todos originados de duas construtoras:
- J.A Construcons (cuja sócia é Andréa Dantas, esposa de Antônio Doido);
- JAC Engenharia, registrada em nome de Geremias Hungria.
Ambas as empresas integram um consórcio que venceu duas licitações ligadas à COP30 — uma de R$ 142 milhões e outra de R$ 123 milhões, totalizando quase R$ 300 milhões. Os indícios mais fortes de corrupção recaem sobre o primeiro contrato, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR).
MENSAGENS COMPROMETEDORAS E O ELO COM A SECRETARIA
No celular de Galhardo, os investigadores encontraram trocas de mensagens com o secretário de Obras Públicas do Pará, Ruy Cabral, levantando suspeitas sobre o processo licitatório da COP30.
Logo após o consórcio vencer a licitação de R$ 142 milhões, Galhardo tenta contato com Ruy:
- O secretário envia: “Vem”;
- Galhardo responde com mensagens que depois foram apagadas;
- Em seguida, envia uma nova mensagem avisando que está em frente à Secretaria;
- Ruy responde: “Fui chamado para reunião com o deputado Chicão. Retorno em 15 minutos”;
- Mais tarde, Ruy manda: “Entra. Vem. Na minha porta atrás”.

Em um áudio posterior, Galhardo afirma: “Meu chefe, eu deixei com a Andreia”, referindo-se à esposa do deputado.
INVESTIGAÇÃO NO STF E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
Com base no material, a PGR solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de inquérito contra:
- Antônio Doido (deputado federal);
- Andréa Dantas (esposa e sócia);
- Francisco Galhardo (PM);
- Ruy Cabral (secretário de obras).
A Procuradoria afirma que os quatro integram uma organização criminosa com foco em desviar verbas públicas e fraudar licitações, principalmente no Pará. Além disso, foram detectadas evidências de crimes eleitorais e violação ao sistema financeiro nacional.
CONTRATO CANCELADO, MAS TARDE DEMAIS?
Em janeiro de 2025, quatro meses após os saques e conversas virem à tona, o governo do Pará, comandado por Helder Barbalho (MDB), cancelou o contrato de R$ 142 milhões com o consórcio ligado a Antônio Doido.
Segundo a PGR, o rompimento ocorreu “possivelmente em razão das denúncias que questionavam a lisura do procedimento licitatório, bem como da prisão de Geremias Hungria”.
COP30 SOB AMEAÇA DE ESCÂNDALO
O caso está sob relatoria do ministro Flávio Dino, no STF, e o desfecho da investigação poderá manchar mais uma vez a imagem do Brasil em eventos internacionais, como já ocorreu na Copa do Mundo de 2014 e nos Jogos Olímpicos de 2016, ambos alvos de escândalos de corrupção.
A COP30, que seria a primeira conferência do clima realizada na Floresta Amazônica, agora corre o risco de se tornar símbolo de mais um ciclo de promessas sustentáveis encobertas por esquemas ilícitos.