Conheça os bastidores do esquema que resultou na operação “Terra COMprometida com a corrupção”.
A cidade de Canaã dos Carajás, uma das mais ricas do Pará, entrou virou notícia com um um dos maiores esquemas de corrupção já investigados no estado. Segundo o Ministério Público do Pará (MPPA), uma organização criminosa teria desviado quase R$ 1,5 bilhão dos cofres públicos ao longo de 10 anos, nos mandatos de Jeová Andrade e Josemira Gadelha. As investigações foram conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), e resultaram na denúncia de servidores, políticos e empresários à Vara de Combate ao Crime Organizado de Belém.

As informações são do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), que no último dia 11 denunciou um grupo de pessoas à Vara de Combate ao Crime Organizado de Belém, capital do estado. Entre os denunciados estão nomes conhecidos na região, como o do político Roberto Andrade, apontado como o líder das operações ilegais. Também figuram entre os denunciados o ex-vereador Zilmar Costa Aguiar (Junior Garra), além de diversos empresários e gestores públicos. Veja lista completa no final
O grupo é acusado de formar organização criminosa, praticar crimes de frustração do caráter competitivo de licitação, fraude em licitação ou contrato, corrupção ativa e passiva, e lavagem de capitais. A extensa investigação realizada por seis promotores identificou que os membros da organização criminosa atuam em Canaã dos Carajás desde 2014. Ao todo, foram protocoladas nove ações judiciais e muitos dos envolvidos foram denunciados em mais de uma. Andrade, por exemplo, foi denunciado cinco vezes por diferentes fraudes licitatórias.
A denúncia expõe o modus operandi da organização, incluindo a divisão de tarefas entre os membros e o uso de empresas para obter vantagens ilícitas. Conforme os promotores, “ao invés da Canaã bíblica da ‘Terra Prometida’ de paz a emanar leite e mel para os cidadãos, o que se tem é sua transformação em uma ‘Terra Comprometida’ com a corrupção”.
Os desvios de recursos ocorriam nos mais variados serviços prestados à Prefeitura Municipal, da construção civil à locação de veículos e equipamentos; serviços de remoção de pacientes; serviços de poda, capina e plantio de gramas de escolas municipais; fornecimento de combustíveis; e compras de itens de informática e papelaria.
Apenas do setor de construção civil, foram identificadas 21 pessoas na organização criminosa, algumas atuando também nos segmentos de locação de veículos, máquinas e equipamentos.
Fraudadores divididos em três núcleos
Os promotores identificaram que o esquema é operado a partir de três núcleos: político, empresarial e técnico.

Esse núcleo é composto de agentes públicos lotados em diversos cargos da administração municipal, nos Poderes Legislativo e Executivo, que controlam a contratação pública, desde a formalização de demandas, elaboração de editais e realização de procedimentos licitatórios, até a execução contratual.

O empresarial está segmentado em diversos ramos de atividade, com diferentes líderes em cada um. São eles que “vencem” as licitações direcionadas e depois pagam propinas para quem facilitou a concorrência.

O núcleo de assessoria técnica se divide entre a constituição de empresas, elaboração de documentos contábeis, montagens de acervos, participação em certames públicos, elaboração de medições, emissão de notas fiscais, pedidos de reequilíbrios econômicos, aditamentos de contratos, entre outras atividades. Aqui estão advogados e contadores, por exemplo.
Conforme os promotores, várias das empresas que formam a organização criminosa são constituídas com inúmeros registros de Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) de modo a poderem participar do maior número de segmentos de licitações, porém, com o único objetivo de fraudar licitações, desviar recursos públicos e ocultar os destinatários dos desvios.
Para o MP, a existência de variados e genéricos CNAE´s por si só já é característica marcante de empresas utilizadas em fraudes licitatórias e na lavagem de capitais, uma vez que é praticamente impossível em um mercado cada vez mais competitivo e especializado empresas trabalharem com eficiência e lucratividade com uma gama tão vasta de produtos.
As empresas identificadas no esquema possuem receitas quase que exclusivamente oriundas de órgãos públicos, além de crescimentos econômicos muito acima da média de seus segmentos de atuação e incompatibilidade de número de empregados registrados em relação aos contratos assinados. Também foram identificadas inúmeras fraudes em suas constituições, alterações contratuais, aumentos de capitais sociais e incapacidade econômica dos sócios ostensivos.
O passo a passo do crime
As denúncias do Gaeco detalham como funciona o passo a passo dos desvios de recursos públicos. Conforme os promotores, o funcionamento do esquema ocorre de forma estrutural, ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente.
Parte dos integrantes da organização criminosa ocupa cargos importantes na estrutura hierárquica da administração municipal. São secretários municipais, subsecretários e diretores, por exemplo. Com isso, garantem a influência política necessária para a nomeação de servidores públicos em postos essenciais para o funcionamento da engrenagem criminosa, como pregoeiros, integrantes de comissões de licitações, fiscais de contrato, controladores internos, etc.
O domínio de cargos-chave permitiu à organização controlar diversas licitações – desde a fase interna até a execução dos contratos administrativos. Assim, os agentes públicos definem os objetos e valores a serem contratados de acordo com o interesse do grupo.
Nos áudios acima, o empresário “Gilvan da Van” pede apoio (autorização) a Roberto para ganhar uma licitação.
No áudio acima, o empresário Rosinaldo explica para o “Bruno Chefinho” também empresário, como funciona os valores e porcentagens do esquema.
No áudio acima, um empresário afirma teria que parar a obra, para pagar o valor devido a Roberto.
Em seguida, as cotações de preços são realizadas por pessoas e com empresas controladas pela organização criminosa, de modo que se obtenha preços médios que possibilitem a futura contratação com sobrepreço para otimização dos ganhos do esquema criminoso.
Definidos os objetos e valores de referência das licitações, os editais são redigidos com cláusulas restritivas à concorrência. Em seguida, as contratações são previamente divididas entre os empresários integrantes da organização criminosa mediante repasse de percentual do valor recebido aos agentes públicos.
Assinado o contrato com a empresa vencedora, a divisão de tarefas dos integrantes da organização criminosa prossegue para execução contratual com objetivo de otimização dos ganhos ilícitos. São realizadas, por exemplo, medições fraudulentas. A empresa contratada emite a nota fiscal dos serviços fraudados para recebimento do órgão público e os agentes públicos priorizam esses pagamentos fora da ordem cronológica determinada pela lei.
Após o pagamento ser realizado, a empresa realiza saques em espécie e/ou transferências de valores em contas de terceiros indicados pelos agentes públicos integrantes do esquema criminoso. Fechando esse ciclo, também integram a organização criminosa os vereadores, o que impede a fiscalização pelo Poder Legislativo, garantindo o funcionamento do esquema sem interferências políticas.

“Praticamente a olhos vistos e de notório conhecimento social, os contratos públicos em Canaã dos Carajás foram loteados pelos agentes públicos (núcleo político) entre os empresários (núcleo empresarial) integrantes do grupo criminoso”, destacam os promotores em uma das denúncias.
Roberto Andrade levava de 6% a 10% de tudo
De acordo com o MP, Roberto Andrade Moreira foi reiteradamente nomeado secretário municipal independentemente de quem ocupasse o prefeito da cidade. Assim, ele passou anos em uma posição na qual conseguia definir para quem os grandes certames licitatórios seriam direcionados, mantendo contato direto com o núcleo empresarial para negociar repasses de valores financeiros e determinar a divisão das licitações a serem realizadas.
Também é ele que contata outros integrantes da organização criminosa para cumprimento de suas determinações, seja na fase licitatória, seja na fase contratual. O Gaeco anexou nas denúncias inúmeras provas de que os integrantes do núcleo empresarial necessitavam do apoio e aprovação de Roberto Andrade para “vencer” licitações. Sem a aprovação dele, as empresas sequer participavam das licitações.
A atuação direta do ex-secretário possibilita que as contratações públicas sejam realizadas com sobrepreço, já que inexiste qualquer espécie de disputa real nos certames, sendo as contratações realizadas com valores “cheios”, ou seja, próximos aos valores de referência, para otimizar os ganhos da organização criminosa.
O denunciado, aponta o MP, também desempenha importante papel na liberação prioritária de pagamentos às empresas integrantes da organização criminosa agilizando o repasse de propina aos agentes públicos envolvidos, violando a previsão legal de pagamento em ordem cronológica.
Por fim, os promotores descobriram que Roberto Andrade exigia que as empresas repassassem a ele os valores acordados logo após a realização dos pagamentos. A extração de dados de aparelhos celulares apreendidos com diversos denunciados comprova que ele recebia de 6% a 10% dos valores dos contratos administrativos para cada direcionamento de licitações às empresas integrantes da organização criminosa.
Em cumprimento de mandado de busca e apreensão na casa dele, o MP conseguiu apreender um documento com anotações de próprio punho de Roberto Andrade onde ele fazia o controle do recebimento de 6% sobre pagamentos de empresas integrantes do esquema criminoso. A anotação demonstra que somente no mês de fevereiro de 2024 ele arrecadou R$ 1,1 milhão.

O silêncio da prefeita Josemira Gadelha
A Prefeita Josemira Gadelha permanece calada diante do maior escândalo de corrupção da história de Canaã dos Carajás. O atual Secretário de Governo é citado em esquema de propina.
O relatório produzido pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (GAECO) aponta o envolvimento direto de Adam Carlos Amorim, atual Secretário de Governo de Josemira, recebia propinas para liberar medições de serviços vinculados à ISO Engenharia e ao Consórcio Ravi, empresas que, segundo o relatório, faziam parte do esquema.

Interceptações telefônicas registradas no dia 25 de novembro de 2022, às 16h03, flagraram uma conversa entre Ismael Souza e Romário Ribeiro, dois dos empresários denunciados, tratando do pagamento de propina a Adam Amorim e também a Douglas Santana, ex-pregoeiro municipal. Na ligação, Ismael relata que Adam Amorim estaria cobrando valores para liberar medições de contratos fraudulentos em nome das duas empresas.
Durante dez anos, toda essa estrutura de corrupção prejudicou diretamente a população de Canaã dos Carajás, que pagou a conta por meio de impostos enquanto recebeu menos investimentos em saúde, educação e infraestrutura. O esquema afastou empresas sérias, impossibilitadas de disputar contratos em um ambiente contaminado por fraudes e favorecimentos. Até agora, a prefeita Josemira Gadelha e os demais citados na denúncia permanecem em silêncio sobre o caso.
Os envolvidos podem responder por organização criminosa, fraude em licitação, corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro, com penas que podem ultrapassar 20 anos de prisão, além da devolução dos valores desviados.
Lista dos envolvidos
Quem | Denunciado quantas vezes |
---|---|
DOUGLAS FERREIRA SANTANA | 6 |
ROBERTO ANDRADE MOREIRA | 5 |
ISMAEL SOUZA OLIVEIRA NETO | 5 |
ROMÁRIO RIBEIRO DA SILVA | 4 |
AILSON FERREIRA ALVES (AILSON DA WHITE) | 4 |
MAURÍCIO MOURA MARTINS | 3 |
PATRÍCIA DOS SANTOS BRANCO | 3 |
JEFFERSON RENAN PINHEIRO LACERDA | 3 |
GILVAN DA SILVA PINHEIRO (GILVAN DA VAN) | 3 |
RODRIGO GONÇALVES DOS SANTOS | 2 |
WEDER CARLOS DA ROCHA | 2 |
DANIEL GOMES NUNES FILHO | 2 |
ROSINALDO RIBEIRO DE SANTANA | 2 |
RUSSEL ALVES GAMA | 2 |
WIRLLAND BATISTA FONSECA | 2 |
NIRACY DA SILVA PINHEIRO | 2 |
MARCELLO UCHOA DE ARAÚJO | 1 |
JOÃO VICENTE FERREIRA DO VALE (BRANCO DA WHITE) | 1 |
FLAVIO BARBOSA DE FREITAS | 1 |
VITHOR ALBERTO NUNES (VITINHO) | 1 |
ANTÔNIO MIRANDA COELHO NETO | 1 |
BRUNO MONTEIRO BORGES (BRUNO CHEFINHO) | 1 |
PEDRO HUGO DUTRA MATOS | 1 |
OSEIAS LIMA DA FONSECA | 1 |
FLAVIO GOMES DE SOUSA | 1 |
WAGNER BASSETI DA CUNHA | 1 |
RONDNELY RIBEIRO DA SILVA | 1 |
RAFAEL IVO DA SILVA | 1 |
JULIO CESAR ALVES DA SILVA | 1 |
ALDECI RAMALHO CALDAS | 1 |
ADAILSON ALVES E SOUZA | 1 |
ANALI GISLAINE DO CARMO SAVOINE | 1 |
ALDECI RAMALHO DE CALDAS | 1 |
CINTIA VALERIA RAMALHO | 1 |
ARLINDO DOS SANTOS ARAÚJO | 1 |
FRANCIVANIA OLIVEIRA SANTOS | 1 |
RAFAEL GONCALVES MODESTO | 1 |
RAQUEL PINHEIRO MARTINIANO | 1 |
CRISTIANO CUSTÓDIO DE QUEIROZ | 1 |
ELIONILDO GONCALVES DE SOUSA | 1 |
FABIENE MARIA DA SILVA | 1 |
ZILMAR COSTA AGUIAR JUNIOR (JUNIOR GARRA) | 1 |
SAMUEL PEDREIRA DE JESUS (PASTOR SAMUEL) | 1 |
FABIANE MACHADO DE SOUZA CORREA | 1 |
TIARLES DA SILVA SANTANA | 1 |
ROSELMA DA SILVA FEITOSA MILANI | 1 |
Fonte: Portal Parauapebas